Todos nós somos míopes quando não usamos os óculos da Ciência

*Colunista André Bacchi

Esta coluna se chama “Boteco Científico”. Dei este nome porque quero que possamos discutir Ciência como parte do nosso cotidiano. Mas, para isso, neste primeiro boteco, precisamos entender a principal função da Ciência.

Na área da saúde, na qual atuo, para boa parte dos pacientes (e também boa parte dos profissionais, infelizmente), evidências científicas não são um fator tão determinante no momento de tomar uma decisão terapêutica, quanto costumamos imaginar. É claro que ninguém vai dizer que não se importa com a Ciência. Ninguém se autodenomina “anticientífico” ou “negacionista”, certo?

Todos se importam, superficialmente, com a Ciência. Mas mesmo tendo consciência de estudos que não demonstram eficácia de um tratamento, nós, muitas vezes, optamos por tratamentos cujos “benefícios” fomos capazes de “testemunhar com nossos próprios olhos”.

– Eu usei e funcionou! – é uma das frases que a gente mais ouve (e fala) por aí.

Confiar “nos nossos olhos” é um processo natural e compreensível, porque é a ferramenta natural que temos. Mas todos nós temos essa dificuldade de enxergar probabilidades sem os “óculos” da ciência. Não ter consciência disso, é dirigir com a visão prejudicada e nos colocar em risco.

De fato, não é fácil resolver o conflito entre experiência pessoal e pesquisa científica. Saber dirigir é importante. A experiência pessoal é importante. Mas a probabilidade de chegar ao destino correto aumenta, se formos humildes o bastante para assumir que necessitamos de óculos. Coincidências que acontecem durante tratamentos, tendem a nos impressionar: a dor que ia diminuir porque estava no seu ápice, mas parece que diminuiu por causa do chá. Sintomas de gripe que melhoram porque esse é o seu curso natural, mas cujo sucesso é atribuído a uma vitamina.

É esse tipo de miopia que precisamos evitar. E todos nós, nesse sentido, somos míopes. Por isso, quando insisto que é necessário nos basearmos em evidências científicas para tomarmos determinadas decisões (como decisões em saúde), não é por “arrogância acadêmica”. Ao contrário, é um pedido de mais “humildade clínica”.

A frase de Tolstoi abaixo nos ajuda a refletir sobre a necessidade dessa humildade:

“Sei que a maior parte dos homens raramente são capazes de aceitar as verdades mais simples e óbvias se essas o obrigarem a admitir a falsidade das conclusões que eles, orgulhosamente, ensinaram aos outros, e que teceram, fio por fio, trançando-as no tecido da própria vida”

Sabendo que a Ciência é, portanto, uma ferramenta para tentarmos enxergar melhor a realidade, te vejo (com mais nitidez) no nosso próximo Boteco!

Ah, e antes de você ir embora, quero te convidar a continuar essa conversa e entender melhor o pensamento científico. Para isso, te convido a participar de um minicurso gratuito que vou ministrar sobre esse tema, no meu canal do Youtube. Você pode se inscrever no evento neste link:

https://www.even3.com.br/pensamento-cientifico/

*Coluna Boteco Científico

André Bacchi

André Bacchi

Professor na UFR, Cientista e Divulgador Científico. Amante da Cultura Pop e da popularização do conhecimento científico, faz o possível para tornar a Ciência acessível e interessante para ser discutida até mesmo em uma mesa de bar.

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