COMPORTAMENTO – Síndrome da mulher Salvadora

Por Di Fraga – Colunista

Antes mesmo de falar do que denominei como “Síndrome da mulher salvadora” é preciso fazer algumas considerações e contextualização histórica. Eu sou uma mulher de quase 39 anos, passei minha infância e adolescência nos anos 80/90 numa cidade do interior de Mato Grosso – Alto Garças – sob o dogmatismo religioso de uma religião que prefiro não citar o nome.

 

Não foram poucas as vezes que vi diante dos meus olhos, mulheres serem punidas por não se reduzirem à “babás” ou “psicólogas” de homens extremamente tóxicos e problemáticos. Vi situações em que as mulheres eram agredidas verbalmente e fisicamente, mesmo assim, eram obrigadas a ouvirem de uma sociedade extremamente hipócrita que elas provavelmente provocaram seus maridos levando-o a tais agressões.

Anos depois, eu mesma fui vítima de uma situação análoga. Com um braço inchado fruto de uma violência física, ouvi da minha sogra na época as seguintes frases:

“É normal isso, querida. Eu mesma já sofri agressões. Homens fazem isso porque eles são nervosos, cabe a nós não provocar”.

Talvez essas frases tenham me doído ainda mais que o aperto no meu braço que gerou aquele hematoma. Foi aí que eu liguei os pontos de toda uma vida: somos forjadas numa sociedade em que nos fazem acreditar que NÓS somos as responsáveis por educar os nossos filhos e TAMBÉM nossos maridos. Que cabe a nós a tarefa de fazê-los entender o que é certo ou errado, o que pode e não pode fazer, mesmo que nessa jornada sejamos machucadas de todas as formas.

Um relacionamento tóxico desperta em uma mulher um emaranhado de comportamentos e sensações que elas nem sabem como lidar. Através da violência – seja ela física, psicológica, econômica, sexual, digital e verbal – somos levadas para um lugar de medo, baixa autoestima e uma crença de que somos capazes de mudar nossos companheiros através do amor e paciência e é justamente essa última que eu chamo de “Síndrome da mulher salvadora”;

A “Síndrome da mulher salvadora” nada mais é que a crença de que somos capazes de resgatar esses companheiros tóxicos desse lugar sombrio em que eles se encontram. Essa crença se baseia na ideia de que uma pessoa pode resgatar ou salvar outra de seus problemas, comportamentos tóxicos ou padrões prejudiciais. Trata-se de uma mentalidade que surge da empatia e compaixão motivadas pelo desejo de ajudar. Nesse contexto, uma mulher é facilmente induzida por todo o discurso patriarcal de uma vida inteira a acreditar que ela tem o poder de mudar um parceiro tóxico ou abusivo, pensando que seu amor e apoio serão suficientes para transformar a pessoa em alguém melhor. Há um modo de pensar dogmática – quase mística – sobre uma situação que deveria ser tratada com a máxima racionalidade.

No entanto, é importante compreender que essa crença é muito problemática. Em primeiro lugar, coloca uma carga excessiva sobre a pessoa que deseja “salvar” o parceiro, levando-a a sacrificar sua própria saúde emocional e bem-estar. Isso ocorre porque a responsabilidade pela mudança não deve recair apenas sobre uma pessoa, especialmente quando a outra parte não demonstra um desejo genuíno de se transformar ou buscar ajuda. Além disso, a crença na mudança pode ser ilusória e levar a um ciclo contínuo de abuso ou comportamentos tóxicos. Muitas vezes, pessoas com padrões abusivos têm uma baixa probabilidade de mudar sem uma intervenção profissional adequada e um compromisso real de trabalhar as suas questões pessoais.

Em segundo lugar, a continuidade em um relacionamento tóxico pode aumentar o risco de violência, incluindo o feminicídio, ainda que nem toda relação tóxica leve necessariamente a esse desfecho trágico. Mas é sempre bom reforçar que, no Brasil, os dados relativos ao índice de feminicídios são alarmantes: uma alta de 37% entre os anos de 2017 e 2022; entre 2021 e 2022, houve um aumento de 5,5% nos casos de feminicídio. (fonte: G1)

É importante que as mulheres e qualquer pessoa que se encontre em uma situação semelhante, compreendam que não são responsáveis por “consertar” os outros. Cuidar de si mesma, estabelecer limites saudáveis e buscar apoio são passos fundamentais para romper esse padrão de comportamento e encontrar relacionamentos saudáveis e respeitosos.

É preciso compreender ainda que existem várias razões pelas quais muitas mulheres continuam num relacionamento abusivo. Dentre elas, vale ressaltar:

  1. Ciclo de violência: Relacionamentos abusivos muitas vezes seguem um padrão de ciclo de violência, no qual ocorrem episódios de abuso intercalados com períodos de calmaria e promessas de mudança por parte do agressor. Esse ciclo pode criar uma sensação de esperança de que as coisas vão melhorar;
  1. Medo de represálias: As vítimas de relacionamentos abusivos frequentemente têm medo das consequências caso tentem sair. O agressor pode ter ameaçado machucá-las, prejudicar seus filhos, divulgar informações pessoais ou até mesmo matá-las.
  1. Dependência emocional e financeira: Alguns agressores exercem controle financeiro sobre a vítima, limitando seu acesso a recursos financeiros e tornando-a dependente dele. Além disso, o abuso emocional contínuo pode fazer com que a vítima se sinta sem valor, impotente e incapaz de enfrentar a vida sem o agressor. Essa dependência emocional e financeira pode dificultar a saída do relacionamento. Daí a imensa importância de se consultar com um profissional de saúde mental.
  1. Isolamento social: Muitas vezes, os agressores tentam isolar a vítima de amigos, familiares e redes de apoio. Isso pode fazer com que a pessoa se sinta sem suporte emocional e sem recursos para buscar ajuda. O isolamento também pode aumentar a sensação de que não há alternativa além do relacionamento abusivo.
  1. Culpa e vergonha: As vítimas de abuso frequentemente experimentam sentimentos de culpa e vergonha, acreditando que de alguma forma são responsáveis pelo comportamento abusivo do parceiro. Esses sentimentos podem ser reforçados pelos agressores, que culpam a vítima pelo próprio abuso.

Se você ou alguém que você conhece está lidando com uma situação de relacionamento abusivo, é essencial buscar ajuda de organizações especializadas em violência doméstica ou de profissionais de saúde mental – psicólogos e psiquiatras – que possam oferecer o apoio e orientação necessários.

Para denunciar ou pedir ajuda: Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180

“Lei Maria da Penha”.

Di Fraga.

Di Fraga

Di Fraga

Filósofa, Mestre em Cultural Contemporânea e Doutora em Filosofia, possui experiência na área de comunicação, marketing digital e fotógrafa Fine Art. Áreas de interesses: arte, política, Neuromarketing e Neuroestética.

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