O Dia do Orgulho Nerd

Por Talitta Freitas*

 

Se por acaso você se deparar, nas ruas da sua cidade, com alguém andando com uma toalha nos ombros ou amarrada a uma mochila, não se preocupe. Trata-se apenas de uma pequena manifestação silenciosa para demonstrar orgulho em ser nerd, sentimento esse que nem sempre foi assim. Pare um pouco e pense na primeira imagem que vem à sua mente quando falamos desses “espécimes humanos”. Se você pensou em um adolescente de óculos fundo de garrafa, desajeitado, super inteligente, mas com pouco trato social, possivelmente você cresceu assistindo às inúmeras obras cinematográficas produzidas nos anos 1980 e 1990, especialmente as norte-americanas, que traziam em seus enredos escolares a luta entre os esportistas populares e os eternos excluídos. Seja em filmes como “A vingança dos Nerds” (1984) ou “Namorada de Aluguel” (1987), o fato é que a rivalidade escolar entre “músculos e cérebros” ganhou narrativas icônicas que fazem parte do imaginário e da identidade de muitas pessoas.

Entretanto, se você é um pouco mais jovem, possivelmente terá como referência uma imagem bem diferente. Afinal, atualmente, se autodenominar nerd passou a ser algo legal, descolado e sexy. Sim, alcançamos o patamar de popularidade que antes era destinado apenas aos jogadores e líderes de torcida. E a mídia, sempre atenta a novos nichos e mercados consumidores, não deixaria passar essa mudança de ares das quase últimas duas décadas. Ao contrário, a influência do cinema e das séries de TV/streaming ajudou a criar uma nova geração de personagens nerds que ganharam o protagonismo da cena. De Tony Stark, o gênio bilionário por trás do “Homem de Ferro”, a Hermione Granger, a bruxa inteligente da saga “Harry Potter”, eles são admirados não apenas por suas habilidades intelectuais, mas também por seu carisma e estilo.

E mesmo que muitos continuem sem muitas habilidades sociais, como o Sheldon de “The Big Bangs Theory” (2007, 12 temporadas), o fato é que como nunca antes o universo nerd vem ganhando espaço, seja nas telas, seja em convenções internacionais cheias de estandes de jogos, video-games, animes, mangás, camisetas com frases e imagens da cultura pop, além, é claro, dos cosplays. E como tudo aquilo que diz respeito a uma forma de identificação, a denominação ganhou ramificações: gamers, geeks, nerds, otakus, cada qual com o seu nicho de interesse (o que não nos impede de ser vários ou nenhum deles). Além disso, esse se tornou um mercado altamente lucrativo, gerando um faturamento no Brasil, em 2021, de mais de R$20 bilhões apenas com a venda de produtos licenciados. (fonte: site pagar.me)

Mas afinal de contas, o que tem a ver uma toalha com tudo isso? Bem, se a resposta não é evidente é sinal que você ainda não teve a oportunidade de ler a trilogia de cinco livros escritos por Douglas Adams, autor do icônico “O guia do mochileiro das galáxias” (1979) – uma verdadeira ode à cultura nerd. Originário de um programa radiofônico londrino da BBC, o Guia é uma excitante combinação de comédia e ficção científica, produzida no final dos anos 1970, que conta a história de Arthur Dent, o desafortunado protagonista, que em uma manhã de quinta-feira precisa lidar com a destruição da sua casa (para a construção de um desvio de rodovia) e a descoberta que um dos seus amigos mais íntimos, Ford Prefect, era na verdade um alienígena que há 15 anos realizava uma pesquisa de campo entre os humanos para escrever o seu Guia do Mochileiro das Galáxias, o maior best-seller de todos os tempos e espaços – seja porque o seu preço é relativamente barato, seja porque ele trás em sua capa, “em letras garrafais e amigáveis”, a frase “Não entre em pânico”. Claro que a descoberta que o planeta Terra seria destruído em poucos minutos, para a construção de uma via interestelar, não melhorou muito o seu dia. A partir dessa peculiar situação, somos levados a uma aventura alucinante pelo cosmo, onde encontramos alienígenas com mania de burocracia, robôs deprimidos e uma toalha, além é claro da resposta para a grande pergunta sobre a vida, o universo e tudo mais.

Adams faleceu aos 49 anos, no dia 11 de maio de 2001, deixando uma legião de admiradores que resolveram criar o Dia da Toalha em sua homenagem. Entretanto, esse mês também é palco de outras tantas comemorações ligadas ao mundo nerd, incluindo o #MayThe4thBeWithYou no dia 4/5, um trocadilho criado pelos fãs de Star Wars para referenciar a célebre frase “May the force be with you” (que a força esteja com você), e o lançamento, no dia 25 de maio de 1977, do filme “Star Wars: uma nova esperança”.

Essas datas, comemoradas por grupos ainda pequenos em diferentes localidades do mundo, começam a ganhar repercussão em 2006, com a mobilização de um grupo de nerds espanhóis que organizou, em diferentes blogs e sites, uma manifestação pública de orgulho ao seu “modo de vida”, ao mesmo tempo em que denunciavam o bullying que sofriam. O que originalmente era para ficar apenas no virtual, ganhou repercussão nas mídias tradicionais, sendo levado também às ruas de Madrid, onde 300 pessoas se fantasiaram de Pacman e saíram pelas praças da cidade. Não há um consenso sobre tudo isso, mas o fato é que poucos anos depois o dia 25/5 ficou conhecido como Dia do Orgulho Nerd ou o Dia da Toalha, agora comemorado em muitos lugares do globo, seja por aqueles que empunham sabres de luz, seja por aqueles carregam uma toalha – afinal, nunca se sabe quando acontecerá uma emergência intergaláctica e você precisará dela.

Dona de um humor duvidoso, quase sempre em pânico, apaixonada por filmes e séries, nerd e professora de História.

Cayron Fraga

Cayron Fraga

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