O riso levado a sério em Jô Soares

*Thaís Leão Vieira

Uma das muitas formas de se lembrar de Jô Soares é por meio do humor. Como convém a um humorista que considera o humor uma visão de mundo, participou de inúmeros programas humorísticos, como Quadra de Setes (1966), Faça Humor Não Faça Guerra (1970), Satiricom (1973), Planeta dos Homens (1976) e do programa de variedades Globo Gente (1973). Ao lado disso, fazia espetáculos de humor e o programa semanal Viva o Gordo, Abaixo o Regime, exibido pela Rede Globo de Televisão e suas afiliadas entre março de 1981 e dezembro de 1987. Entre seus tantos personagens vividos lembramos Bô Francineide, uma atriz de pornochanchadas que andava sempre acompanhada de sua “Pornô-Mãe”; Sebá, o “último exilado” que se preparava para voltar ao Brasil; Gelatina, um guarda que tinha medo de assaltos; Reizinho, que vivia às voltas com os problemas de seu reino, ao lado de Eminência e seus conselhos e do Bobo da Corte e Capitão Gay (“o defensor das minorias, que defende as androginias, ataca sempre as hipocrisias e é contra as tiranias”) juntamente com seu ajudante Carlos Sueli.

Para Jô Soares, assim como humoristas de sua geração como Chico Anysio, Haroldo Barbosa e Max Nunes, o humor existe em tudo, até em situações dramáticas. Não por acaso, esses humoristas podem ser muito representativos de uma interpretação do Brasil. O processo de transição política, por exemplo, pode ser percebido pela linguagem dos programas humorísticos. Um deles, Planeta dos Homens (trazia no seu elenco Jô Soares e Agildo Ribeiro), de 1978, começou a apresentar quadros deixando de utilizar uma linguagem mais metafórica e satirizando os políticos de maneira mais direta. Os primeiros ecos da abertura se faziam na pergunta “já se pode falar?”.

O humor de Jô revela uma de suas maiores atribuições, um senso de observação acurada da realidade. Uma das personagens do programa em 1981 era Reizinho, que se dirigia aos súditos com as seguintes palavras: “Deste solo que eu piso, desse povo que eu amo, que que eu sou? Que que eu sou? Que que eu sou?”. Era saudado com a resposta: “Sois rei! Sois rei! Sois rei!”. Nos tempos de abertura política, o diminuto monarca que se diverte às custas de seu Bobo da corte não apresenta otimismo frente aos problemas e revela a permanência do descaso social. Acompanhando a narrativa, Reizinho debocha do seu Bobo da Corte dizendo que ele está cada vez mais bobo e idiota quando o Bobo entra em cena gritando: “vou prender todos os corruptos, vou prender todos os corruptos, vou prender todos os corruptos”.

Não é demais lembrar que no mesmo contexto de abertura, em abril de 1988, às vésperas da aprovação da Constituição no Brasil, Jô Soares denunciava aquela que seria uma das maiores censuras: a ameaça ao emprego do artista. Pela lista negra da Rede Globo comparando-a ao ideário Macarthista, o humorista dizia: “Escrevo, isso sim, porque atores que trabalham no meu programa, como Eliezer Mota, como Nina de Pádua, foram vetados em comerciais. As agências foram informadas, não oficialmente, é claro como acontece em todas as listas negras” (Agora Falando Sério. Jô Soares. 30/04/88 Jornal do Brasil). Também em 2011 quando o tema do politicamente correto já dava mostras de se associar à censura, Jô não exitou em se posicionar e seu comentário é lapidar: “a única coisa que precisava ser politicamente correta no Brasil são os políticos”.

*Thais Leão Vieira é Doutora em História e Professora dos cursos de graduação e pós-graduação em História da UFMT, campus Cuiabá.

Cayron Fraga

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1 comment

Flavio Trovão agosto 12, 2022 - 11:12 pm

Excelente análiss!

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