Por Di Fraga – Colunista
Antes de tudo, o que é uma analogia? É uma forma de justificar uma afirmação qualquer através de uma comparação de semelhança estrutural entre dois casos. Quando a analogia é boa eu tenho um bom argumento por analogia, quando a analogia é ruim eu tenho a falácia da falsa analogia. E quando é que ele é ruim? Quando negligencio ao menos uma diferença relevante para o caso, tão importante que tornam os casos não análogos. Sendo assim, a falsa analogia ou analogia falaciosa é justamente o fracasso de um argumento por analogia, ou seja, um raciocínio defeituoso onde a comparação entre os dois elementos é totalmente inadequada levando a uma conclusão incorreta. A falsa analogia é uma falácia lógica, porque se baseia em premissas falsas para chegar a uma conclusão. Ela pode surgir de diferentes maneiras, como por meio de comparações superficiais, generalizações inadequadas ou ignorando diferenças essenciais entre os elementos comparados.
Essa semana passada, vimos que o humorista Leo Lins foi alvo da justiça de São Paulo, isso porque, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que fosse retirado um dos seus shows de Stund Up do Youtube, por entender que, as piadas ali presentes configuravam discurso depreciativo e humilhante para com grupos e minorias da sociedade. Veja abaixo alguns desses discursos:
- “Se alguém fala ‘um estupro’ é pesado. ‘Um estuprito’, é divertido. ‘Um estuprito?”
- “Na época da escravidão já nascia empregado e também achava ruim”
- “Pra menina do interior perder a virgindade é fácil. É só ela correr menos que o tio”
- “Pessoas do Nordeste tem uma aparência primitiva;”
- “Whiskey pra mim tem que ser igual mulher: puro e com 12 anos”
- “O que vocês falam quando terminam de transar? Não conta pra sua mãe que te dou uma boneca’”
- “Preconceito é igual índio, não deveria mais existir;”
- “Em qual Estado Gay vira fumaça? Estado Islamico;”
- “Papai noel negro no shopping é expulso: “Saci pode sair daqui”
- “Cheguei a chamar interprete de libras pra ofender surdo-mudo.”
Na tentativa de se justificar e imprimir a ideia de censura, Leo Lins usou o seguinte “argumento”:
– “Muitos argumentam que: uma piada sobre estupro pode influenciar alguém a cometer tal ato ou normalizar tal atitude. A Netflix lançou a serie Dhamer sobre um serial Killer, que cometeu assassinato, necrofilia e canibalismo. Veja o que aconteceu:”
(na sequencia do carrossel do instagram, o humorista mostra reportagem dizendo que Dhamer estava se tornando um sex symbol após a série para o publico)
Em seguida ele diz: “o problema está na série ou nos idiotas que vão endeusar um assassino canibal? Por que a piada mata mas a serie de um assassino não? Ou proíbe-se tudo por causa de idiotas que se deixam influenciar, ou permite-se a série, o filme, a música e…a piada. Afinal o problema não está na fonte mas sim no receptor, ou seja, o idiota”
Porque a tentativa de defesa de Leo Lins é fraca e configura uma falsa analogia?
- Toda obra tem uma intenção e ela vai ficando clara ao longo de uma trama: a série Dhamer em nenhum momento intencionou transformar um serial killer em herói, mas tão expor suas maldades em forma de maldade, mostrar o assassinato sem maquiar toda a angustia por traz de um ato de MALDADE. Não houve em nenhum momento a banalização da vítima nem tentou-se diminuir a vítima em prol do assassino. Dito isso: não há a uma tentativa de normalização do ato sofrido pela vitima muito menos normaliza-se a humilhação contra a vítima. A história é contada evidenciando o ato com algo errado e imoral.
- No caso Leo Lins, mesmo dando todos os benefícios da dúvida para o humorista de que ele de fato não queria propagar nenhum tipo de preconceito, o simples ato de fazer piada com uma minoria (negro, índio, nordestino, gays, negros) ou com um ato criminoso (estupro, xenofobia, pedofilia, racismo etc) ele normaliza o estigma contra o qual todas essas minorias lutam diariamente. Normalizar um estigma negativo de um grupo de pessoas nada mais é que perpetuar o preconceito, negando-lhes oportunidades de serem tratados de forma justa. Quando se normaliza o estigma reforça-se os estereótipos negativos levando à marginalização de pessoas com base em características de determinado grupo o que gera um forte impacto psicológico nas pessoas que fazem parte desse grupo. Impactos esses que podem levar a problemas de saúde mental, baixa autoestima, ansiedade e depressão. Além disso, também podem ter impactos negativos na saúde física, devido ao estresse e à exclusão social.
- Ou seja, se em Dhamer há uma óbvia tentativa de alertar a pessoas para que elas não se tornem vítimas de assassinos, psicopatas e não venha a ser parte de estatísticas de crimes hediondos, na piada do Leo Lins há uma normalização ao deboche e humilhação * das vítimas*. É justamente o oposto. Essa é, portanto, a diferença importante negligenciada por Lins.
Há uma forte tendência de se usar falsas analogias na tentativa de justificar aquilo que não se pode ou não é facilmente passível de justificação e é por isso que o raciocínio lógico precisa se fazer presente nessas discussões.
Essa semana ainda testemunhamos mais um caso de racismo contra o jogador do Real Madrid Vinicius Jr. Em um jogo contra o Valência pela La Liga – campeonato Espanhol – a torcida do time adversário cantou músicas em que chamavam Vinícius Junior de “macaco”. O jogo precisou ser parado e uma mensagem do sistema de som do estádio pedia para que os torcedores evitassem xingamentos racistas. Depois de toda a repercussão, ainda houve um jornal espanhol culpando Vini Jr pelo a violência sofrida. O que isso tudo tem a ver com o caso Leo Lins?
Algumas pessoas – incluindo famosos – que defenderam as piadas racistas de Lins vieram à público se solidarizar com Vini Jr. O que elas não conseguiram perceber é que há uma obvia relação de causa e efeito entre o que se defende – ou seja, ofender com piadas – e o que se lamenta – ser ofendido com injúrias raciais.
É importante enfatizar ainda que nem tudo que não é proibido por uma lei é ético. Podemos listar uma serie de ações antiéticas que não tem uma lei proibitiva correspondente: furar a fila, mentir para os pais etc. Portanto, dizer que “se não fere a lei está tudo bem” é uma premissa falsa tanto quanto a falsa analogia aqui exposta.

Di Fraga é Formada em Filosofia, Mestre em Estudos da Cultural Contemporânea e Doutora em Filosofia da Linguagem.