POESIA – Necessidade de quê?

*Marcelo Baía

Uma das ferramentas mais poderosas do mundo são os poemas. Eles trazem de forma leve e ritmada verdades difíceis de digerir.

Cito a esse respeito o seguinte poema de Carlos Drummond de Andrade:

Poema da necessidade

É preciso casar João,

é preciso suportar Antônio,

é preciso odiar Melquíades

é preciso substituir nós todos.

É preciso salvar o país,

é preciso crer em Deus,

é preciso pagar as dívidas,

é preciso comprar um rádio,

é preciso esquecer fulana.

É preciso estudar volapuque,

é preciso estar sempre bêbado,

é preciso ler Baudelaire,

é preciso colher as flores de que rezam velhos autores.

É preciso viver com os homens

é preciso não assassiná-los,

é preciso ter mãos pálidas e anunciar O FIM DO MUNDO.

O que se nota é uma crítica fortíssima ao controle social.

Nossa sociedade está sempre nos impondo condutas que julga necessárias, por isso, poema da necessidade. É preciso, é preciso, é preciso… mas quem disse que é preciso, e é preciso exatamente para quem?

Passamos a vida toda correndo atrás do próprio rabo até que seja tarde para viver a vida e sermos felizes.

A sociedade e a família projetam sobre nós seus anseios e suas frustrações, de tal maneira que dificilmente alguém pode assumir as rédes da própria vida, e não sem muita contenda conseguirá se desvencilhar de conceitos e paradigmas vigentes. Basta você perguntar a quem nunca ambicionou se casar e ter filhos.

A nossa sociedade vem mudando ao longo dos anos, se tornando mais flexível, mais liberal. Ainda assim, essa flexibilização ocorre dentro de certos limites. Os limites vão sendo forçados geração após geração, e esse conflito é que proporciona a expansão desses limites. É claro que o conflito não seria necessário que cada um cuidasse da própria vida, e desse ao outro o direito de cuidar de si.

É preciso lutar com unhas e dentes, vencer um leão por dia, apenas para ter o direito de ser você mesmo e conduzir sua vida como você quiser. É isso, ou renunciar à sua individualidade, e se render aos anseios alheios, o que seria de uma covardia sem precedentes.

O poema nos faz entender, de maneira simples e direta, que se você começar a atender os desejos alheios isso não terá fim. Engana-se quem acredita que quanto mais rápido fizer o que pedem, mais rápido poderá se ocupar de seus próprios desejos. Ledo engano. No momento em que aceitamos o controle social ele se impõe de modo duradouro em nossa vida. A cada novo ato de subserviência o laço fica mais forte, e a libertação mais improvável, até que chega o fim do mundo, ou seja, nossa morte.

É resistir ou se entregar, de toda forma a escolha é exclusivamente nossa, pois ainda que o mundo nos pressione ao máximo, no fim, a decisão só cabe a nós mesmos.

E então, como vai ser a partir daqui, vai resistir ou vai se entregar?

*Marcelo Baía – Advogado, escritor e poeta.

Cayron Fraga

Cayron Fraga

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